"A Taskforce on Nature Markets estima que o valor dos demais mercados de créditos por serviços ecossistêmicos (por exemplo biodiversidade e água, incluindo os “mitigation banks” nos Estados Unidos) seja de $4.1bn, mais de três vezes o segmento do mercado de carbono baseado na natureza ($1.3bn)."
1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?
Apesar do meu nome não indicar e de trabalhar em Londres há dez anos, eu nasci e cresci no Brasil. Estudei economia, queria entender como a sociedade se organiza para prover o que as pessoas precisam. O mercado financeiro estava muito aquecido na época e engrenei em um estágio em banco de investimento que acabou sendo uma plataforma para aprender muito sobre finanças, e curiosamente um bocado sobre o agronegócio. Estou falando de 2011 a 2014, quando eu trilhei o caminho de carreira tradicional dentro de um banco. Financiávamos muitas empresas de cana-de-açúcar e de grãos. Se nem ESG era parte do léxico do mercado financeiro, imagine Soluções Baseadas na Natureza!
Ao mesmo tempo, eu co-fundei uma startup focada em baixo carbono e que me abriu os olhos para o mundo de responsabilidade social corporativa (ou ao menos como era assim chamada na época), e sustentabilidade. Decidi trabalhar com investimentos de impacto em 2016, em meio a uma grande crise de propósito e entediado com os skills que eu estava adquirindo.
Encurtando a história um pouco, em 2021 eu estava trabalhando em uma fundação que tinha entre os objetivos promover justiça climática ao redor do globo. Estava já’ (ou melhor, ainda) em Londres. Em 2018 eu tinha organizado aqui um evento para jogar certos holofotes sobre o que existia em termos de investimentos de impacto no Brasil, para a audiência aqui acostumada a pensar apenas na África e na Índia quando se trata de problemas sociais e de agenda de desenvolvimento. Foi antes do governo Bolsonaro e toda repercussão gerada sobre a situação calamitosa da floresta Amazônica. Mas foi ponto crucial na agenda do evento.
Procurando modelos de desenvolvimento compatíveis com a floresta em pé foi quando me deparei e me apaixonei por Nature-based Solutions. Voltando ao meu ponto inicial, como economista, é fascinante pensar em serviços ecossistêmicos e o quanto eles provêm, sequestro de carbono sim, mas também comida, água, ar limpo e conforto térmico. E pensar o quanto a nossa economia não está ajustada para refletir estes “serviços”, no mecanismo pre precificação do livre mercado. Não precisamos falar só’ sobre clima e carbono, estamos vivendo uma crise de biodiversidade, ja’. Isto sem falar no potencial de vivermos mais em paz e ressonância com as comunidades que são protetoras da natureza e detentoras de um conhecimento único.
Resolvi fazer um curso em SBNs em Oxford e hoje além do meu papel no Soros Economic Development Fund (parte da Open Society Foundations), que vou terminar em breve, defendo que o conceito de SBNs seja compreendido e incorporado em frameworks de investidores tradicionais, e os ajudo a navegar oportunidades de investimento, sobretudo na América Latina, inevitavelmente.
2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?
A Open Society Foundations, do qual o Soros Economic Development Fund (SEDF) é parte, é uma organização de justiça social. Além de diversos programas de “grantmaking” e “advocacy”, a fundação acredita que investimentos de impacto são uma ferramenta poderosa. O papel do SEDF é semear soluções que gerarão novos mercados, ou que corrijam imperfeições nos mercados que já temos. Em conjunto com as outras “ferramentas” que mencionei, é esta abordagem holística que torna esta organização muito interessante.
Do lado do grantmaking, diversas organizações da sociedade civil focadas nos problemas da Amazônia são apoiados pela fundação. Midia transparente e independente também fazem parte deste tripé’. Do lado de investimentos de impacto, investimos com capital paciente em projetos, empresas ou fundos que se alinhem com os objetivos de justiça social, dentro do qual muitos temas de SBN se enquadram.
O primeiro investimento que fizemos em SBN, foi no Amazon Biodiversity Fund, um fundo que já’ investiu e está’ investindo em uma dúzia de empresas na ‘área de conservação, restauro de florestas, agroflorestas, e processamento de produtos dela derivados, e que na sua cadeia de valor, são responsáveis e inclusivas. Quando há uma necessidade e oportunidade clara, provemos também grants para assistência técnica – por exemplo para implementar uma nova mensuração de qualidade de vida e bem estar das comunidades.
Buscamos também parcerias com investidores comprometidos com o desenvolvimento local, bancos de desenvolvimento ou outros fundos, por exemplo, com o objetivo de trazer estas soluções, tanto de negócios quanto de investimentos, ao mercado mainstream.
3. Quais são os números ou insights de mercado que mais te animam no espaço de SBN?
Acho que muitas pessoas estão fixadas nos movimentos do mercado de carbono, e isto acaba por contaminar a visão que tem a respeito de viabilidade e credibilidade das SBNs. O que ocorreu no ano passado depois da controvérsia gerada sobre qualidade de projetos certificados pela Verra foi que alguns compradores no mercado voluntário diminuíram ou mudaram os seus programas de offsetting. Mas não foram todos, longe disso. Uma pesquisa feita pela Trove Research mostrou que não só os 10 maiores compradores mantiveram os seus volumes, mas o número total de compradores de créditos aumentou.
Na minha opinião é ainda mais importante colocar os números do mercado voluntário de carbono em perspectiva. A Taskforce on Nature Markets estima que o valor dos demais mercados de créditos por serviços ecossistêmicos (por exemplo biodiversidade e ‘água, incluindo os “mitigation banks” nos Estados Unidos) seja de $4.1 bilhões, mais de três vezes o segmento do mercado de carbono baseado na natureza ($1.3 bilhões).
O valor dos ativos ecossistêmicos nas mãos do setor privado soma $8 trilhões.
Este é o valor das terras dedicadas à agricultura e à silvicultura, excluindo aquelas detidas pelo setor público. Investidores institucionais colocam estes ativos dentro da categoria de “real assets”, e acredito que veremos muitos grandes investidores começando a integrar SBNs para proteger e valorizar os seus investimentos nestas áreas.
4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidas, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?
Eu diria que, em certa medida, arcabouços regulatórios e insegurança jurídica ainda impedem a viabilidade de muitos empreendimentos. Não estou falando só do mercado de carbono, ou da escassez de mercados regulados, de taxação ou de sistema de quotas, que de fato ainda poucos países ou governos adotam. No Brasil a regulação fundiária e a proteção à posse de terra são assuntos complexos e que geram enorme nervosismo a investidores.
A falta de capital com a combinação prazo-custo adequado aos projetos de SBN, que inevitavelmente tem horizontes temporais longos, é outra barreira. Os termos de financiamentos de órgãos e bancos de desenvolvimento geralmente são engessados, e acho que há’ espaço para investidores usarem mais elementos de blended e project finance, quebrando projetos em fases e alocando melhor tanto o risco quanto o retorno ‘as partes responsáveis por cada etapa do projeto.
Eu acho que outro gargalo, e neste o NatureHub pode ter um papel interessante, é a conexão entre capacidade técnica e científica com a capacidade empreendedora e de negócios. Penso em conexões entre academia e aceleradoras de negócios, programas de estágio e mais conscientização sobre SBNs ao longo do ensino.
O Brasil é o país com maior potencial para reflorestamento e conservação no mundo, e métodos estes que por sinal são os mais custo-efetivos para diminuir emissões globais – ou seja, é uma oportunidade que ninguém pode deixar passar.
5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar uma palavra/conceito no espaço SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?
Na minha opinião muitas vezes, e sobretudo no mercado financeiro, as pessoas se referem a “Nature-based Solutions” pensando em clima, soluções de mitigação e adaptação à mudança climática. De fato foi como o termo surgiu em um relatório do Banco Mundial, em 2008. De lá’ até’ hoje muito mudou – a definição mais aceita hoje em dia, da International Union for the Conservation of Nature (IUCN), enfatiza fortemente o aspecto de bem-estar humano, de biodiversidade e até mesmo de saúde como objetivos críticos.
No mundo de negócios, fala-se em “natural capital”. A Capitals Coalition, criou uma definição e um protocolo partindo de programas com 50 das maiores empresas globais incluindo Coca-Cola, Natura, Nestle e Shell: “Natural capital is another term for the stock of renewable and non-renewable natural resources (e.g. plants, animals, air, water, soils, minerals) that combine to yield a flow of benefits to people”.
Uma diferença chave é que, em si, este termo do mundo de negócios não reconhece ou veicula a crise climática e a crise de biodiversidade que estamos vivendo. Aí temos fundos usando “natural climate solutions”, vous a las, um passo nesta direção. De fato a emergência climática já’ está’ na agenda maximizadora de lucro das empresas. As demais emergências eu diria muito menos.
Não acho que chegaremos a termos comuns sempre, mas ao mesmo tempo é importante entender que estas nuances na terminologia refletem objetivos diferentes, e não há outro jeito de compatibilizar objetivos que não seja termos mais trocas, e sempre honestas, entre os acadêmicos, empresas e investidores.
Um outro conceito que sobretudo no Brasil escuto pouco falar são as aplicações urbanas das SBNs. Mais da metade da população do planeta vive em cidades, e 80% do PIB global gira em torno delas. No Brasil mais de 60% da população está em cidades. Além de conforto térmico, qualidade do ar, biodiversidade e redução do consumo de energia, do ponto de vista comercial é o desenvolvimento de SBS em cidades é uma oportunidade enorme para incorporadoras e potenciais parcerias público-privadas.
6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?
Acho que não posso deixar de recomendar acompanhar o trabalho que o Amazon Biodiversity Fund e todos os incríveis negócios em que investiram estão desenvolvendo. A quem se interessar este aqui é um link para um blog post que publicamos. Quem quiser se aprofundar, este é um dos seus relatório de impacto. Um dos nossos trabalhos conjuntos está sendo na construção de um índice de bem estar social, que será uma ferramenta a mais para comparar certos modelos de negócios. Em muitos sentidos, apesar de ser provavelmente o maior fundo privado dedicado à região, é só uma semente - o objetivo é mostrar que estas soluções são economicamente viáveis e “investíveis” para muito mais investidores. Muitos destes negócios já estão aqui, e a beleza desta comunidade é o ambiente aberto para que negócios que estão inovando, passando por inúmeros desafios, troquem experiências e se ajudem.
Eu estou considerando fazer parte da Pan-Amazon Impact Fellowship, um programa que trará’ investidores, estrangeiros e brasileiros, a campo e culminará’ com o desenvolvimento de um protótipo de solução financeira para a região. Não é a única que merece atenção, mas merece muita. É muito cedo para contar mais, mas será um prazer dividir a evolução e ter inputs desta comunidade nesta potencial jornada.
O meu apelo a colegas investidores seria que se interessassem mais sobre a natureza. E diria que não é difícil: comece pensando no que você come, de onde vem? Do que depende? De quem depende? Vá para a sua corrida, pedalada ou caminhada parando um minutinho para pensar como este ambiente se sustenta. Estamos imersos, alguns de nós, aliás, sob o risco de estarmos num futuro não tão distante submersos, em alguma forma de natureza - sempre -e não há’ bom investimento que escapará.
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