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Visão de Luis Fernando da Fonseca, CEO da Caaporã Agrosilvopastoril: Inovando em pecuária de baixo carbono com sistemas agrosilvopastoris

"Por intermédio da Caaporã pudemos provar que é possível, por exemplo, produzir leite de forma eficiente num sistema de produção neutro em Carbono e estamos desenvolvendo modelos de baixa pegada de Carbono na Pecuária de Corte."
Luis Fernando da Fonseca
Luis Fernando da Fonseca, CEO da Caaporã Agrosilvopastoril

1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?


Sou nascido no Pampa Gaúcho, em uma família que trabalhava com pecuária, e desde cedo tive intensa interação com a natureza e com os animais. Me graduei em Medicina Veterinária, em Porto Alegre-RS, decidi seguir pela carreira acadêmica, me mudei para Piracicaba-SP, onde fiz Mestrado em Agronomia, na ESALQ-USP. Logo ingressei como Professor da Faculdade de Veterinária da USP, muito jovem, enquanto fazia Doutorado em Medicina Veterinária.


Logo em seguida morei nos EUA, onde fiz Pós-Doutorado em Animal Science na University of Kentucky e depois passei um período como pesquisador visitante na Cornell University. Antes de retornar ao Brasil fiz uma pequena parada de algumas semanas em Cuba, onde fiz um Curso de Especialização em Pecuária Tropical, no CENSA, em Havana. Paralelo a minha atividade como Professor e Pesquisador da USP, dei consultoria para fazendas e para empresas nacionais e multinacionais da indústria farmacêutica veterinária e indústria de alimentos.


Minha área de ensino e pesquisa era Pecuária Leiteira e Qualidade de Produtos Lácteos, operando na interface entre a produção primária e a indústria de alimentos. Minha motivação original, que me levou a essa carreira, era o desafio de aumentar a eficiência da produção agropecuária, com vistas a produção de mais alimentos, especialmente. Um tema relevante para mim era a questão da Fome no Mundo e o desafio que tínhamos de produzir mais alimentos para abastecer uma população em rápido crescimento, obviamente considerando nessa visão que a Fome era resultado também das enormes desigualdades sociais presentes na maioria das regiões do Mundo. Então a idéia era sempre focada em “produzir mais e distribuir melhor”.


Nessa jornada, aos poucos um elemento adicional foi se consolidando, que era a questão da qualidade dos alimentos. Afinal precisávamos produzir mais, mas com qualidade. Daí surgiu o meu foco em qualidade dos alimentos a base de leite, que fez parte relevante da minha temática de pesquisa na academia. Também importante destacar que eu sempre foquei nas proteínas animais, por considerar que eram alimentos nobres e em parte, acessíveis em termos de preços comparativos. Ademais as proteínas animais compunham cadeias produtivas grandes e escaláveis.


Com o passar do tempo emergia também, ao lado do desafio da eficiência da produção e da qualidade dos produtos, o elemento da sustentabilidade dos sistemas produtivos. Temas relevantes como o desmatamento associado a pecuária, o uso irracional de insumos químicos, dentre outros, vieram à tona. Importante mencionar que nesse momento, estamos falando do final dos anos 90, o desmatamento na Amazônia atingia níveis altíssimos, enquanto a pecuária se expandia rapidamente para a região. Foi então, quando do meu retorno do pós-doutorado, nos EUA, que eu decidi dar uma guinada na minha carreira profissional, abandonar a vida acadêmica e me dedicar a negócios de impacto socioambiental.


Nessa época, o termo NBS nem era utilizado... Começava-se a falar em Negócios de Impacto... Eu decidi me mudar para a Amazônia e empreender, com a crença de que a única solução para conservação da Amazônia seria o desenvolvimento de negócios que estivessem associados a conservação. Sempre me pareceu que as medidas de comando e controle tem efeitos positivos, mas limitados e que se não encontrarmos uma forma de valorizar a floresta em pé, não teremos como conter o desmatamento continuo da Amazônia e de outros biomas florestais.


Meu primeiro empreendimento na Amazônia foi numa empresa de processamento de Castanha do Pará, chamada Ouro Verde Amazônia. Essa foi uma empresa icônica, na época, na Amazônia, pois raros eram os casos de negócios com foco em impacto socioambiental. Esse foi um caso típico de negócio com o conceito de NBS. Foi uma empresa reconhecida, com muitas certificações e premiações, era uma empresa certificada como orgânica e foi talvez a primeira empresa do setor de alimentos do Brasil certificada como Carbono Neutro, numa época em que pouco se falava desse tipo de atributo...


A Ouro Verde Amazônia foi a primeira Empresa B do Brasil, quando o movimento de Impact Investing estava começando... Foi um caso extraordinário que associava a conservação da floresta com forte impacto social, uma vez que cerca de 90% do suprimento de castanha do Pará era oriundo de comunidades indígenas, com quem estabelecemos parcerias extraordinárias. Foi uma história muito rica e que exigiria horas de relatos para explicar todo o seu impacto. O fato é que depois de 6 anos morando na Amazônia, eu acabei retornando para São Paulo, num cenário em que a Ouro Verde teve o seu controle adquirido por um grande grupo, chamado Grupo Orsa.


Passei a trabalhar dentro da estrutura corporativa do grupo em SP como socio minoritário e gestor da empresa. Daí me envolvi com outras atividades do Grupo Orsa, que tinha negócios imensos também na Amazônia. Detinha mais de 1 milhão de hectares de floresta, onde desenvolvia atividades de produção de celulose, com cerca de 70 mil hectares plantados de florestas de eucalipto e tinha uma operação de Manejo Florestal de madeira nativa, um projeto certificado pelo FSC e que contava com uma operação extraordinária.


Um outro exemplo de NBS. Nesse ínterim, tive uma outra experiência muito valiosa, trabalhando numa grande ONG internacional, coordenando por cerca de 1 ano o departamento de Agricultura e Meio Ambiente da WWF-Brasil, onde conheci, analisei e apoiei diversos negócios e projetos nos diferentes biomas brasileiros. Depois de alguns anos a frente da Ouro Verde, como sócio minoritário, achei que era o momento de aumentar a escala das operações, que precisávamos desenvolver mais negócios na Amazônia e em maior escala.


Junto com mais um sócio fundei então a Kaeté Investimentos, uma das primeiras gestoras de Fundos de Investimento de Impacto do Brasil, e a primeira com foco na região amazônica. Pela Kaeté, nós levantamos o primeiro fundo de PE de Impacto, com cerca de USD 40 milhões de dólares captados. A partir daí vivenciei uma jornada extraordinária, rodando a Amazônia, em busca de negócio viáveis que estivessem associados a Conservação da floresta.


Foram 210 negócios avaliados, de diferentes portes, diferentes regiões da Amazônia, diferentes segmentos da economia... ao final investimos em 3 deles. Posso dizer que essa experiência, de cerca de 8 anos, me proporcionou uma visão muito privilegiada sobre as oportunidades e os desafios de investimentos em negócios associados a conservação e impacto socioambiental. Tivemos um grande sucesso num dos empreendimentos, um resultado intermediário no segundo negócio e um terceiro investimento que foi um grande fracasso.


Por fim, há cerca de 5 anos, resolvi concentrar novamente meus esforços como empreendedor, e fundei uma nova empresa, a Caaporã Agrosilvopastoril, cujo foco é o desenvolvimento de modelos inovadores de proteínas animais em sistemas silvopastoris e com foco em produção de baixo Carbono. Uma nova longa história, mas que em resumo tem como fundamento a profunda convicção de que não há nenhuma possibilidade de enfrentamento das Mudanças Climáticas se não reinventarmos os modelos produtivos da pecuária.


De forma bastante simplista, na Caaporã transformamos áreas de pastagens totalmente degradadas em sistemas intensivos, de alta produtividade, com pastagens reformadas integradas com o plantio de árvores.


A Caaporã opera atualmente 4 fazendas, nos estados do MT, TO e BA, totalizando mais de 15 mil hectares. Entendo que este é um modelo escalável e que definitivamente pode “mexer o ponteiro” em termos de impacto efetivo na escala da paisagem. Por intermédio da Caaporã pudemos provar que é possível, por exemplo, produzir leite de forma eficiente num sistema de produção neutro em Carbono e estamos desenvolvendo modelos de baixa pegada de Carbono na Pecuária de Corte.


2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?


A Caaporã, cuja missão é desenvolver modelos inovadores de produção de proteínas animais, notadamente de pecuária bovina, em sistemas integrados de Pecuária e Floresta e baseado em sistemas de baixo Carbono, busca solucionar um dos gargalos mais relevantes para a questão das Mudanças Climáticas.


De forma muito resumida, o problema da Mudanças Climáticas é gerado por duas grandes variáveis: Energia e Uso da Terra. No quesito Uso da Terra, basicamente mais de 75% da terra agricultável do planeta, ou seja, a única porção da Terra que ainda deveria ser destinada a produção de alimentos, fibras, biocombustíveis etc... é ocupada para produção de proteínas animais, notadamente carne e leite bovinos.


Assumindo esse fato e considerando que apesar de todos os esforços para adequação das dietas globais para padrões mais sustentáveis, as previsões mais confiáveis apontam que o consumo de carne e leite crescerá de forma significativa na próxima década. Dessa forma, não há qualquer possibilidade de enfrentamento das Mudanças Climáticas que não passe pela reinvenção dos modelos produtivos da pecuária bovina.


Se adicionarmos a isso o fato de que a expansão da pecuária bovina no Brasil, nas últimas décadas, ocorreu fortemente em áreas da Amazônia Legal, a promoção de modelos produtivos que assumam a meta de Desmatamento Zero (como no caso da Caaporã) e que além disso contem com plantios florestais integrados com a produção pecuária teriam um papel fundamental no controle do desmatamento e na reorganização do modelo de desenvolvimento regional da Amazônia. Essa é a ambição da Caaporã.


Destacando que, na minha visão, o que precisamos é de modelos que gerem impacto relevante na paisagem e na economia. Some-se a isso, no caso da Caaporã, o plano de inclusão de pequenos e médios produtores na cadeia produtiva, fomentados pela Caaporã, que se propõe a atuar como empresa âncora, promovendo sistemas produtivos de baixo carbono na etapa da produção de bezerros e ao mesmo tempo garantindo a compra desses animais jovens, com origem conhecida, alta qualidade e com geração de renda e redução de pobreza na região.


3. Quais são os números ou insights de mercado que mais te animam no espaço de SBN?


A grande oportunidade, no modelo que estamos propondo na Caaporã, é a possiblidade de escala e impacto regional relevante. Temos cerca de 160 milhões de hectares de pastagens no Brasil, e deste total 22% em estágio avançado de degradação e 41% parcialmente degradados.


Estamos falando de um setor produtivo que tem uma escala inigualável em termos de área e consequentemente de impacto. Se há alguma indústria com potencial de gerar impacto altamente relevante no campo das SBN é justamente a indústria da pecuária. Trata-se de uma indústria que movimenta mais de USD 180 bilhões por ano e que tem o Brasil como segundo maior exportador mundial de carne bovina.


Portanto, é justamente nesse campo que há uma oportunidade para a Caaporã gerar impacto relevante e transformar um dos maiores passivos ambientais do Brasil numa atividade que pode ser parte relevante para o enfrentamento das mudanças climáticas.


4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidas, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?


Dentre as principais dificuldades eu citaria a limitação de oferta de capital para novos empreendimentos elaborados sob a perspectiva de SBN. Vejo que há muita conversa e pouco capital, chegando de fato, em novos negócios dessa natureza.


Os investidores identificam riscos mais elevados nesses novos modelos de negócios... e ao final, não querem abrir mão de um balanço tradicional na equação de risco x retorno.


Talvez fosse oportuno também concentrar esforços em modelos inovadores de financiamento que pudessem acelerar os investimentos em negócios pautados por SBN, modelos, por exemplo, baseados em estruturas de blended finance, que poderiam destravar um pouco do capital tradicional.


5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar uma palavra/conceito no espaço SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?


Em que pese o conceito de SBN esteja bem consolidado e tenha retaguarda de instituições relevantes como a IUCN, meu receio é que seja uma sigla ou conceito novo que leve a grandes debates e seja alçado a um conceito “legal/bacana”, passe a ser amplamente utilizado (como outros conceitos de Ecodesenvolvimento, Desenvolvimento Sustentável, Investimento de Impacto, ESG, etc...) mas que ao final não contribua efetivamente para que as transformações nos modelos de desenvolvimento focados na sustentabilidade socioambiental efetivamente ocorra. Espero que tal conceito não seja uma distração a mais.


6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?


Precisamos urgentemente sair das narrativas, da realização de inúmeros eventos, da formação de coalizões etc. para entrarmos numa fase de ações efetivas, especialmente no que se refere a efetividade dos investimentos em negócios pautados pelo conceito de SBN.


A emergência climática é enorme, o tempo é escasso e os investimentos efetivos são limitadíssimos.


 
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