"Minhas iniciativas sempre tiveram como objetivo a valorização das florestas e o atendimento a demandas de mercado, gerando renda e dinamizando a economia de comunidades e populações extrativistas ou agroflorestais."
1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?
Biólogo, mestre em Ecologia (recuperação de áreas degradadas, USP, 2000), mestre em agronegócios (modelagem financeira de SAF babaçu + mandioca, FGV, 2022). Experiência em estruturação de cadeias da floresta para produção de ingredientes para cosméticos e alimentos. Alguns desses ingredientes são alternativas de base florestal a insumos sintéticos, de origem mineral ou derivados de commodities agrícolas.
Sou cofundador da Atina, fabricante de ingredientes para indústria cosmética, cujo portfolio inclui o Bisabolol produzido a partir de manejo sustentado de Candeia, árvore típica da Serra da Matiqueira e Espinhaço. O Bisabolol de Candeia substitui com vantagens o Bisabolol sintético, produzido por gigantes do setor como Basf e Symrise, o que o qualifica como uma SBN de primeira grandeza.
Fundei também a AmidoMato, que produz amido derivado de SAFs com babaçu. O mercado mundial de amido é amplamente dominado pelo milho, seguido pela mandioca, batata, trigo, arroz e outras commodities agrícolas. O amido de babaçu é o único a ser extraído de uma árvore, em sistema agroflorestal, em larga escala e custo competitivo com o milho.
2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?
Minhas iniciativas sempre tiveram como objetivo a valorização das florestas e o atendimento a demandas de mercado, gerando renda e dinamizando a economia de comunidades e populações extrativistas ou agroflorestais. A principal característica dessas empresas é o atendimento do cliente industrial, com atenção ao ambiente regulatório, garantia de qualidade e preço competitivo. Nesses negócios, os atributos socioambientais são sempre vistos como valor adicionado, e não como custo a ser repassado aos clientes.
A Atina atende o universo cosmético, com Bisabolol de Candeia certificado FSC e Ecocert, além e ativos de alto valor agregado, todos com o devido acesso a patrimônio genético e contratos de repartição de benefícios.
A Mombora atende consumidor final de nutrição esportiva, busca apresentar ao público frutas nativas das florestas brasileira, com atenção às menos conhecidas, como cambuci, cajá, juçara, cupuaçu e uvaia. A ideia é ampliar a oferta e diversidade de sabores nativos e abrir mercado para as cadeias derivadas de coleta, manejo e plantio de frutas brasileiras.
A AmidoMato, por sua vez, busca escala. O sonho é transformar o babaçu em fonte de amido agroflorestal competitiva com o milho e mandioca, criar riqueza, gerar emprego, renda e prosperidade, em diversos modelos produtivos que tenham o babaçu como pivô de integração.
3. Quais são os números ou insights de mercado que mais te animam no espaço de SBN?
No momento, estou animado com a possibilidade de alcançar grande escala com a produção de amido de babaçu, em criar operação competitiva com commodities agrícolas como milho e mandioca, e encontrar vocação produtiva para o Meio-Norte do Brasil derivada da colossal oferta de babaçu que caracteriza a paisagem da região mais miserável do país.
Estou também envolvido com a Inocas, iniciativa de plantio de macaúba em larga escala, como alternativa ao dendê. O mercado do óleo de palma e palmiste é muito grande e o Brasil, ainda que tenha diversos players de produção na Amazônia a Bahia, importa óleo de palma para atender à demanda interna. A Inocas tem mais de 2.000 hectares de SAF macaúba plantado na região de Patos de Minas há 5 anos, e duas novas frentes de plantio já captaram financiadores para alcançar mais 10.000 hectares no nordeste do Pará e no Vale do Paraíba.
4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidas, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?
A maior parte das iniciativas de SBN olha para mercados de nicho, e empurram atributos socioambientais como "obrigação moral" para os clientes ou consumidores, com base na lógica de "preço justo". Iniciativas de nicho são válidas, não me oponho a elas, pelo contrário. Mas soluções de nicho não endereçam problemas urgentes de escala, como a miséria, fome e mudanças climáticas.
Nesse sentido, precisamos estimular iniciativas de grande escala, que se somem a Inocas, Belterra, Symbiosis, Mombak e re:green, que multipliquem as opções de sistemas integrados e validem modelos inovadores de transformação da paisagem agropecuária brasileira.
O foco principal deve estar em soluções que transformem a pecuária nacional, que aumentem a lotação e produtividade dos pastos, que tornem esses ambientes mais biodiversos, integrados a árvores (em especial a palmeiras como macaúba, coco, babaçu, açaí, mas também eucalipto e madeireiras), e que rotacione o gado com lavouras como soja, mandioca, sorgo e milho.
5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar uma palavra/conceito no espaço SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?
Para mim, o principal equívoco é a falta de clareza de que soluções de nicho não resolvem problemas de escala. Me parece que muitas das iniciativas do ambiente SBN não faz essa conta, e assim desgasta ou fragiliza o argumento agroflorestal.
É muito comum ouvir que sistemas de integração não são “verdadeiros” SAFs, que para ser considerado SAF o sistema tem que incluir dezenas de espécies. Esse tipo de segregação ou discriminação não colabora com o objetivo maior, que é eliminar a monotonia produtiva que caracteriza mais de 50 milhões de hectares do Brasil dedicados a pastagens de baixa capacidade e diversidade biológica insignificante.
Assim, costumo usar SAF em sentido amplo, que inclui tanto as iniciativas de pequena escala e alta diversidade, quanto aquelas que alcançam áreas maiores com menor diversidade. O importante, na minha opinião, é que sejam sistemas que incluam árvores.
6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?
Gostaria de trocar aprendizados sobre como atingir grande escala territorial, como validar modelos que possam se multiplicar exponencialmente ao longo da próxima década e transformar a paisagem produtiva do Brasil rural.
Ainda que seja um entusiasta da multiplicação desses modelos, vejo com alguma preocupação aqueles que se ancoram fortemente na venda futura de créditos de carbono. Acho que o sequestro carbono não deve ser razão principal das iniciativas, mas consequência de um sistema produtivo que regenere o solo e inclua árvores.
Claro, não tenho absolutamente nada contra as iniciativas focadas no carbono, mas minha impressão é que essa abordagem não é atrativa para a maior parte dos proprietários rurais brasileiros. Precisamos de alternativas que se moldem aos grandes produtores de gado, induzi-los a incluir árvores nos seus sistemas para aumentar produtividade. Os benefícios ambientais devem ser resultado dessa mudança, esse é o desafio.
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