"A criação de uma economia verdadeiramente sustentável, que permita o desenvolvimento da humanidade dentro da capacidade de suporte do planeta e da natureza é o maior desafio da nossa geração e o Brasil precisa ser um dos grandes líderes nesse esforço."
1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?
Sou formado em administração de empresas com foco em sustentabilidade e meio ambiente pela FGV. Entre 2014 e 2019 trabalhei na área econômico-financeira da consultoria GO Associados, principalmente de projetos de infraestrutura ambiental (água, esgoto e gestão de resíduos). Nesse tempo fui também assistente do professor Gesner Oliveira nas aulas de economia do meio ambiente e pesquisador do Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da FGV.
Em 2019 veio a virada de chave para decidir empreender com SBN, por causa de alguns
fatores: em primeiro lugar, alguns clientes buscavam a consultoria para saber mais sobre
créditos de carbono e formas de rentabilizar a floresta em pé, projetos que vinham para mim
pela minha proximidade com a temática ambiental. Em segundo lugar, me aprofundei na
pesquisa sobre o tamanho do desafio e das oportunidades no setor de SBN no Brasil enquanto escrevia o livro “Nem Negacionismo, Nem Apocalipse - economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira” com o professor Gesner. Em terceiro lugar, o estopim final foi conversar com o Wilson Tomanik, que hoje é nosso sócio na GFB, e entrar em contato com a visão dele sobre a necessidade de utilizarmos na área ambiental os instrumentos financeiros do agronegócio, em especial as CPRs, para negociar direitos sobre serviços ecossistêmicos.
2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?
A missão da Global Forest Bond é valorizar os serviços ecossistêmicos que decorrem da
conservação e recuperação de biomas nativos, integrando a natureza à economia.
Nós atuamos com três principais verticais de atuação: a primeira delas é a de instrumentos
financeiros: como já adiantei, entendemos que o Brasil é uma potência agrícola em parte por motivos naturais (área grande, insolação tropical, chuvas, etc), mas também por motivos
institucionais: o setor possui bons contratos, segurança jurídica e instrumentos financeiros que atraíram os investimentos necessários para o seu crescimento.
Ao tratar a conservação e a recuperação de vegetação nativa como uma atividade agrícola,
podemos aproveitar todo o arcabouço jurídico e institucional que já funciona muito bem no
mercado agro, só que para negociar serviços ecossistêmicos, como carbono, biodiversidade, água e muito mais.
Nossa segunda vertical é a de tecnologia. Entendendo que os altos custos, baixa
escalabilidade e opacidade dos inventários florestais que são lastro para praticamente todos os instrumentos de carbono e PSA em vegetação nativa e também a dificuldade técnica de contar apenas com mecanismos de sensoriamento remoto, fizemos uma aliança com a KPMG Brasil e desenvolvemos uma plataforma tecnológica que aumenta a eficiência, reduz custo e promove total transparência para o trabalho de campo.
Partimos de uma tecnologia que eles já tinham criado para auditar o plantio de soja no Brasil, que garante a coleta de dados de campo de forma totalmente inviolável, e adaptamos para medir uma cesta bastante ampla de indicadores de serviços ecossistêmicos que levantamos nas publicações do IPBES, de forma metodologicamente agnóstica. Ela pode ser utilizada em projetos com diversas metodologias apenas adaptando o engine de cálculo, além de contar com ferramentas de melhoria no processo, como medidores automáticos do tamanho de árvores e redes neurais de identificação de espécies.
Por fim, a terceira vertical é aliar instrumentos financeiros e tecnologia para criar produtos que garantam o investimento em conservação e/ou recuperação de biomas nativos. Isso vai desde projetos de conservação voluntária a reflorestamento nativo, passando por desmatamento evitado (REDD+) e implantação de sistemas agroflorestais utilizando a captura de carbono como parte da equação financeira.
Um produto que consideramos particularmente inovador é o fundo Amari, que montamos em
parceria com a gestora Indie Capital e a agritech MerX. O fundo provê crédito para custeio de safra a produtores, por meio de uma CPR, e atrela esse custeio à conservação das áreas nativas dentro das fazendas por uma CPR Verde. Após o pagamento do financiamento, utilizamos nossa plataforma para verificar o atingimento de metas de biodiversidade que dependem da região da fazenda, mas estando tudo ok, o produtor recebe uma parte do que pagou de juros de volta, é um “cashback ambiental”. Esse fundo reduz o custo do financiamento ao produtor e o risco do investidor estar associado ao desmatamento, e foi um dos três únicos fundos no mundo selecionado pela Gold Standard para sua certificação piloto de fundos de impacto.
3. Quais são os números ou insights de mercado que mais te animam no espaço de SBN?
Um dos números mais impressionantes relacionado a SBN é o abismo existente entre o valor gerado pelos serviços ecossistêmicos, ou seja, os benefícios que a natureza oferece para nós humanos, e o valor efetivamente pago, seja em projetos de carbono, PSA, biodiversidade, etc.
O Fórum Econômico Mundial estima o valor gerado em U$ 125 trilhões por ano, mais do que o PIB global somado, enquanto apenas 0,1% disso é pago por quem protege ou restaura florestas.
Certamente esse fato, de tratarmos as áreas nativas como “improdutivas” é a maior falha de
mercado da economia global. Se por um lado isso é um enorme desafio, de como incluir a
natureza em nosso sistema econômico, ele vem acompanhado de uma enorme oportunidade, em especial para o Brasil, país com os maiores estoques de biodiversidade.
Falando especificamente da questão climática, precisamos lembrar que o Brasil é a maior
economia cujas emissões são dominadas pelo uso do solo, ao contrário da maior parte dos
países que possuem maiores desafios na energia, indústria e transporte. Isso faz com que
muitas vezes as SBN recebam menos atenção do que deveriam, frente ao seu potencial de
contribuir na construção de uma economia mais sustentável. Precisamos aproveitar a
oportunidade de liderança no G20, COP e Mercosul para trazer mais luz para o setor.
4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidas, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?
Em primeiro lugar, não podemos deixar de falar da questão fundiária, que é a maior fonte de
incerteza para o setor. Terras públicas não destinadas são onde ocorre a maior parte do
desmatamento, as áreas com o maior potencial de restauro nativo ou com agroflorestas e a
prevalência da criminalidade sobre elas inibe qualquer potencial de investimento. Incluo nesse debate a questão de consentimento prévio, livre e informado a comunidades tradicionais, que são cada vez mais assediadas. É fundamental destinar terras devolutas, unificar sistemas de registros de propriedade e atuar diretamente com comunidades tradicionais para coibir abusos por desenvolvedores menos escrupulosos.
Um segundo ponto de atenção é o da opacidade do mercado. Grande parte do nosso esforço na GFB foi trazer para as SBN ferramentas que já funcionam hoje para dar transparência ao mercado de soja. Assim, caso haja dúvida ou questionamento, é possível aos participantes do mercado, reguladores e ONGs comprovarem o que realmente existe, foi protegido/recuperado e qual o benefício ambiental disso.
Por fim, existem alguns pontos de clareza regulatória que podem ser melhorados, seja na
regulamentação da Lei do PSA, já aprovada, seja na aprovação e regulamentação da lei do
mercado de carbono que está hoje no Congresso. Inclusive, entendo que existe uma
intersecção muito grande entre carbono e PSA no Brasil e que as duas legislações devem ser postas em prática de forma sinérgica, inclusive utilizando infraestruturas comuns. Por que não integrar o registro de CPRs Verdes que já existe, o registro de PSA previsto na lei e o futuro registro de créditos de carbono em um único sistema?
5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar uma palavra/conceito no espaço SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?
Acho que o termo que vejo mais mal utilizado é a própria CPR Verde. As CPRs são contratos originalmente criados para o mercado agro, que permitem o financiamento da produção em troca de entrega física (de produto) ou pagamento futuro com juros. Os instrumentos tem diversas vantagens para o mercado ambiental, entre elas o registro em plataformas autorizadas pelo Bacen, como B3 e CERC, que impede múltiplas emissões na mesma área, a segurança jurídica de serem títulos líquidos e certos, que reduz custo em caso da necessidade de judicialização, e a flexibilidade. O mesmo tipo de contrato funciona para soja, milho, custeio de curto prazo e investimento de longo prazo no mercado agro, logo, podemos usar em NBS para contratos de carbono, PSA e diferentes estruturas. As CPRs Verdes podem ser para o mercado ambiental o que as CPRs foram para o mercado agro desde os anos 1990.
Isso dito, existem dois erros que vemos muito no setor: o primeiro é o de tratar CPR Verde
como produto em si. Muitas vezes nos perguntam “quanto vale uma CPR Verde”, sem entender que a CPR é o contrato, o instrumento de transação, e ele pode ser utilizado para negociações de diversos serviços ecossistêmicos, em condições naturais (biomas) e institucionais (áreas privadas, públicas, APPs, RLs, RPPNs) diferentes, com metodologias distintas e prazos variados. Da mesma forma que um contrato de adiantamento de um ano de soja é diferente de um de milho, um de carne ou um de 5 anos de eucalipto.
A segunda confusão é tratar o registro como uma validação metodológica. Ao registrar uma
CPR Verde em uma autorizada do Bacen, são validadas apenas as condições mínimas para a validade do contrato, como a propriedade da terra, a inexistência de outras CPRs na mesma área e a ausência de impeditivos legais. Ter uma CPR Verde registrada na B3 não é garantia de que os ativos ambientais que a lastreiam são de boa qualidade ou que a metodologia utilizada é minimamente crível, isso é responsabilidade do tomador verificar. Em um mercado ainda muito incipiente, investidores e empresas correm o risco de tomar gato por lebre se não souberem identificar exatamente o que estão comprando.
6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?
A criação de uma economia verdadeiramente sustentável, que permita o desenvolvimento da humanidade dentro da capacidade de suporte do planeta e da natureza é o maior desafio da nossa geração e o Brasil precisa ser um dos grandes líderes nesse esforço.
Inspirados na experiência do Eduardo, nosso sócio, no setor aeroespacial, dizemos que
integrar a natureza na economia é nosso “moonshot”. Nós escolhemos fazer isso não porque é fácil, mas porque é difícil. E falhar não é uma opção.
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