"Eu acredito que o maior gargalo não seja a falta de projetos de qualidade nem a escassez de capital interessado em investir neste tema, mas sim a necessidade de um 'matchmaking' eficiente entre o tipo de projeto e o tipo de capital apropriado para cada situação."
1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?
Morei em São Paulo até os meus 18 anos, quando me mudei para Vancouver, Canadá, onde cursei Economia e Relações Internacionais na Universidade de British Columbia. No Canadá, me conectei com a natureza de forma profunda, do sol à neve, das montanhas ao mar. Entre ursos e baleias, aprendi que a natureza e nós somos um - uma teia entrelaçada de vida.
Foi ao acampar junto às vastas geleiras em Jasper que meu chamado para a vida se tornou claro. Adormeci o melancólico lamento das geleiras derretendo; e no silêncio da noite, enormes blocos despencavam, enviando ecos de choro pelos vales, uma verdadeira sinfonia da terra, entoando sua tristeza profunda. Na volta para Vancouver (ao som de Jorge Drexler - Despedir a Los Glaciares) decidí que dedicaria minha vida à preservação da natureza, com isso, comecei a explorar como usar capital para a regeneração - e soluções baseadas na natureza (SBN) faz parte de um arsenal de ferramentas necesárias para comprir isso.
Pulando no tempo, hoje trabalho na TransCap Initiative, um think-and-do-tank que atua no nexo entre a mudança de sistemas sócio-técnicos e finanças sustentáveis. Nossa missão é construir o campo de investimento sistêmico, uma nova lógica de investimento para financiar a transformação de sistemas.
2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?
Transformar sistemas sócio-técnicos é o grande desafio de nosso tempo e para isso, há uma necessidade urgente de repensar como financiamos essa transformação. O Investimento Sistêmico responde a esse chamado. E porque?
Partimos do pressuposto que vivemos na era da policrise: mudanças climáticas, perda de biodiversidade, escassez de água, insegurança alimentar, desnutrição, doenças mentais, pobreza….etc. Todos esses desafios têm causas, protagonistas e impactos distintos, mas compartilham uma característica fundamental: são problemas sistêmicos e complexos.
Como tal, exigem estratégias sistêmicas desenhadas para lidar com essa complexidade.
Isso significa que a forma como alocamos capital para impacto também precisa ser desenhada para a complexidade, seja através de capital de investimento privado, financiamento concessional, doações filantrópicas e/ou outras formas de financiamento.
No entanto, muitas vezes o capital é baseado em uma lógica linear e reducionista e não flui de maneira sistêmica – ele geralmente é canalizado para uma solução, uma empresa, um projeto de infraestrutura. Essa perspectiva de ativo único está em desacordo com o que é necessário para lidar efetivamente com a policrise.
O Investimento Sistêmico apresenta uma forma diferente de alocar capital para impactos transformadores. Ele faz isso reconhecendo que lidar com a policrise não é apenas uma questão de mobilizar mais capital; é também sobre como aloca-lo de maneira mais inteligente. Prevê a utilização de um portfólio de intervenções, usando diferentes tipos de capital, provenientes de diferentes financiadores, para possibilitar intervenções em múltiplos nódulos de um sistema. Tudo isso de forma estratégica e sinérgica, e re-desenhando como os investidores colaboram uns com os outros, gerando insights e novas metodologias para medir impacto.
3. Quais são os números ou insights de mercado que mais te animam no espaço de SBN?
A natureza é um recurso vital, necessário para nossa saúde, meios de subsistência e bem-estar. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, $44 trilhões da geração de valor econômico – mais da metade do PIB mundial – depende da natureza e de seus serviços.
Ao mesmo tempo, a degradação desse recurso vital está ocorrendo em uma taxa alarmante: 32% da área florestal mundial foi desmatada; 50% dos sistemas de corais foram destruídos; e desde de 1970 houve um declínio de 83% nas espécies de água doce e de 60% na população de vertebrados.
Cientistas climáticos, ecologistas, agrônomos e outros identificaram um conjunto de soluções baseadas na natureza (SBNs) que podem ser usadas para proteger, restaurar e gerenciar sistemas naturais e ecossistemas. Os objetivos das SBNs podem ser classificados em três pilares: 1) proteger a natureza e a biodiversidade, 2) mitigar as mudanças climáticas e 3) garantir que cerca de um bilhão de pessoas envolvidas diariamente com a natureza possam prosperar.
De acordo com um estudo de 2021 realizado pela McKinsey as SBNs podem fornecer 33% das reduções de CO2e necessárias até 2030. O mesmo estudo estima que a remoção de carbono com SBNs custaria cerca de $50 por tonelada de CO2e. De acordo com a Food and Land Use Coalition, o investimento em SBNs poderia gerar um retorno social de cerca de $5,7 trilhões anualmente, mais de 15 vezes o investimento necessário de $300 bilhões a $350 bilhões por ano (menos de 0,5% do PIB global). Além disso, criaria novas oportunidades de negócios no valor de até $4,5 trilhões por ano até 2030. Ou seja, o benefício é enorme e o ROI é positivo - é um no brainer.
4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidas, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?
Eu acredito que o maior gargalo não seja a falta de projetos de qualidade nem a escassez de capital interessado em investir neste tema, mas sim a necessidade de um 'matchmaking' eficiente entre o tipo de projeto e o tipo de capital apropriado para cada situação. Na maioria dos casos, será necessário fazer um blend de capitais de diversas partes do espectro de risco e retorno, desde o filantrópico até o capital privado IPCA +, para tirar o projeto do papel, e essa orquestração entre os financiadores não é trivial.
5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar uma palavra/conceito no espaço SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?
Soluções Baseadas na Natureza abrangem muito mais do que apenas créditos de carbono, conceito que, embora importante, representa apenas uma fração do potencial dessas estratégias. Esse enfoque restrito aos créditos de carbono pode ser visto como uma visão limitada, que ignora os múltiplos benefícios ambientais, sociais e econômicos que as SBNs podem oferecer.
As SBNs incluem práticas como a restauração de ecossistemas, a agricultura regenerativa, e a conservação de habitats, que, além de sequestrar carbono, promovem a biodiversidade, fortalecem a resiliência das comunidades e sustentam os serviços ecossistêmicos. Ou seja, saímos da lógica linear de olhar só para o carbono e utilizamos do pensamento sistêmico para entender como as intervenções têm múltiplos benefícios que se entrelaçam. Por exemplo, a restauração de manguezais não apenas armazena carbono, mas também protege contra tempestades, melhora a qualidade da água e sustenta a economia local por meio da pesca.
Ao focar exclusivamente nos créditos de carbono, corremos o risco de negligenciar essas outras contribuições das SBNs, o que pode resultar em soluções menos eficazes e sustentáveis a longo prazo. Portanto, é crucial adotar uma visão mais sistêmica e integrativa, reconhecendo e valorizando todos os aspectos das SBNs para realmente aproveitar seu potencial completo.
6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?
Convido você a praticar pensamento sistêmico, onde cada ação, cada evento, e cada indivíduo faz parte de uma teia de conexões e interdependências. Esta perspectiva nos empodera a buscar soluções que não apenas resolvem sintomas, mas que promovem o equilíbrio e o bem-estar coletivo, através de soluções profundas que buscam resolver a raiz dos problemas. Adotar uma visão sistêmica nos permite entender as causas profundas dos desafios que enfrentamos e nos inspira a criar mudanças transformadoras. Juntos, podemos construir um futuro mais integrado e harmonioso. Sejamos agentes dessa mudança, cultivando uma conscientização que abraça toda a complexidade do nosso mundo interconectado.
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