"A vantagem do SAF é que ele permite maior resiliência aos impactos das mudanças climáticas, ajudando a mitigar os riscos de perdas de produção associadas a eventos climáticos extremos."
1. Qual é a sua formação e experiência em SBN?
Sou graduada em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), uma das mais renomadas na área de ciências agrárias do Brasil, em que tive a oportunidade de trabalhar em projetos que considero meu primeiro contato com SBN. Em 2016, no meu primeiro ano, entrei para o Laboratório de Pesquisa e Manejo Florestal na área de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento, em que participava do projeto de definição de áreas prioritárias para recuperação na bacia do rio doce e na detecção de mudanças na estrutura espacial da cobertura do solo.
Durante o período de graduação, me dedicava em trabalhos voluntários em Unidades de Conservação e movimentos socioambientais. Tive a oportunidade de ser voluntária em um projeto de planejamento de Sistemas Agroflorestais (SAFs) em um assentamento na região do sul da Bahia, em um programa de Pagamento de Serviços Ambientais realizados por uma ONG da região.
Em 2021, resolvi voltar para o sul da Bahia para realizar meu estágio em que mapeava atores locais que se beneficiavam do programa de pagamentos de serviços ambientais obtidos através da compensação de emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa) das empresas turísticas da região.
Me encantei muito pela Serra do Conduru, em que passei dois anos trabalhando em um sítio em que trabalhava com principalmente com a Cabruca, sistema agroflorestal de produção em que o cacau é cultivado sob a sombra de espécies nativas da Mata Atlântica. Além de participar do manejo e da implantação de árvores nativas de valor madeireiro, fazia a implantação de SAFs com espécies agrícolas. Acredito que foi o momento que mais compreendi o que significa realmente o termo SBN, já que me inspirava nos ciclos ecossistêmicos da Mata Atlântica para trabalhar e planejar os SAFs.
Acredito que migrar da tecnologia e dos estudos e experienciar o campo, me fez compreender ainda mais a importância de fomentar e incentivar projetos de SBN para que continuem em crescimento, tanto no contexto social, ambiental e econômico.
2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?
A proposta de valor quando se trabalha de forma autônoma com SAFs é aplicar técnicas inovadoras e sustentáveis para o cultivo integrado de espécies florestais, culturas agrícolas e/ou animais em um mesmo sistema de maneira complementar. A ideia principal é mimetizar os processos naturais que acontecem na própria natureza, em que é possível encontrar respostas para realização de um plantio sustentável, resiliente e estável.
A diversificação da produção é um diferencial, gerando uma grande segurança para o produtor, já que pode incluir alimentos, madeira, produtos não madeireiros, mel, cogumelos e outros produtos, proporcionando uma fonte variada de renda no campo.
A vantagem é que isso possibilita maior resiliência aos impactos das mudanças climáticas, ajudando a mitigar os riscos de perdas na produção associados a eventos climáticos extremos.
Além disso, o planejamento é cronológico, o que significa que embora a produtividade inicial pareça menor em comparação com monoculturas, os SAFs tendem a aumentar sua produtividade ao longo do tempo, já que existe a combinação de plantas de vida curta com árvores que geram renda com a vida mais longa.
Acredito que o impacto mais satisfatório é na regeneração de ecossistemas degradados, recuperando solos exauridos, áreas desmatadas/degradadas, contribuindo para a restauração da paisagem.
Além disso, o que motiva é pensar que quando temos SAFs rentáveis e de sucesso, podemos inspirar os produtores que ainda estão trabalhando com a monocultura, repensar suas práticas e aplicar mudanças que o atual momento exige.
Em resumo, é a prática de um modelo mais sustentável, resiliente, economicamente viável e socialmente benéfico. É uma abordagem que atende às necessidades atuais sem comprometer o futuro das gerações.
3. Quais são os números ou insights de mercado que mais entusiasmam você no espaço de SBN?
Os SAFs desempenham um papel significativo no Mercado Voluntário de Carbono (MVC), onde os projetos agroflorestais têm a capacidade de gerar créditos por meio do sequestro de carbono. Esses créditos são comercializados para indivíduos e organizações que desejam compensar suas emissões, proporcionando uma fonte adicional de renda para os agricultores. Essa prática não apenas promove a adoção de práticas sustentáveis, mas também impulsiona a economia de baixo carbono.
Dentro do MVC, destacam-se os projetos de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que podem ser propostos por indivíduos, organizações ou comunidades (os proponentes do projeto) e são implementados pelos desenvolvedores do projeto. Para obter créditos de carbono, o proponente do projeto deve demonstrar que as atividades de REDD+ alcançaram os resultados esperados, como o sequestro de carbono e/ou a redução de emissões de carbono.
No contexto dos sistemas de Cabruca, há uma forte correlação entre o sombreamento proporcionado pelas árvores e o estoque de carbono no sistema, devido à considerável presença de biomassa gerada. Um estudo apoiado pelo Instituto Arapyau e pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) revela que aproximadamente 60% do carbono total acima do solo na região sul da Bahia é armazenado nas Cabrucas.
Esses dados ressaltam a importância das Cabrucas não apenas na promoção da agricultura sustentável, mas também como aliadas cruciais na busca por soluções para mitigar as mudanças climáticas e atingir metas de redução de carbono através de estratégias como REDD+.
4. Quais são as principais dificuldades ou gargalos que, se resolvidos, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?
A implementação de agroflorestas em grande escala enfrenta diversos desafios, apesar dos benefícios e potenciais que essa abordagem sustentável oferece. Para garantir uma expansão eficaz e bem-sucedida, é fundamental adaptar os SAFs para atender às variadas condições geográficas, climáticas e sociais de diferentes regiões. Isso requer um Zoneamento Ecológico e Econômico, proporcionando uma compreensão detalhada do ambiente e suas nuances.
A criação de um design agroflorestal bem estruturado e a implementação de operações sistematizadas são passos cruciais para tornar esses sistemas mais acessíveis e eficientes em larga escala. Simplificar os processos, desde a implantação até a manutenção, é igualmente essencial para encorajar uma adesão mais ampla.
Para superar tais desafios, é imperativo promover esforços colaborativos que envolvam agricultores, silvicultores, pesquisadores e formuladores de políticas. Investimentos contínuos em pesquisas são necessários para aprimorar as práticas, adaptando-as às exigências específicas de cada local. Além disso, políticas adequadas devem ser formuladas para incentivar a adoção de agroflorestas em larga escala, oferecendo incentivos e suporte financeiro aos interessados.
Uma comunicação eficaz é crucial para disseminar as melhores práticas e sensibilizar os agricultores sobre os benefícios dos SAFs. Destacar exemplos de sucesso em larga escala pode inspirar e motivar mais produtores a considerarem a transição para plantios de agrofloresta, impulsionando assim a adoção sustentável desse modelo.
5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar uma palavra/conceito no espaço SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?
Vou aproveitar para contextualizar o conceito que falei em uma questão acima que é importante nas SBN, que é o Zoneamento Ecológico – Econômico (ZEE)
O ZEE é um instrumento de planejamento e gestão territorial que visa integrar aspectos ecológicos e econômicos para promover o uso sustentável dos recursos naturais e a conservação do meio ambiente.
Trata-se de um mapeamento de uma determinada região em zonas de acordo com suas características ambientais, socioeconômicas e culturais. Essas zonas são criadas considerando critérios como clima, solo, vegetação, biodiversidade, disponibilidade de recursos hídricos, usos do solo, atividades econômicas e interesses da população local.
É uma ferramenta essencial para o planejamento do desenvolvimento sustentável e de áreas produtivas, sendo uma abordagem que busca garantir o crescimento econômico com a proteção dos ecossistemas e valores socioambientais.
6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?
A mensagem que gostaria de compartilhar é que podemos encontrar inspiração na natureza e nos seres vivos não humanos para melhorar nossa vida cotidiana. Ao observar as plantas, podemos perceber que elas representam um modelo resistente e moderno, exibindo uma arquitetura cooperativa e resiliente que lhes permite resistir a eventos extremos e se adaptar a mudanças ambientais sem perder sua funcionalidade.
Podemos aprender com essa eficiência e organização e aplicá-las no desenvolvimento de ideias, tecnologias e projetos que promovam um crescimento sustentável e benéfico para todos. Vamos buscar inspiração na natureza e trabalhar juntos para criar um futuro mais equilibrado e harmonioso, seguindo os princípios que a própria natureza nos oferece.
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